Quando Lee Iacocca, o então vice-presidente da Ford e o designer Gale Halderman participaram do projeto de um ícone, eles talvez não tivessem a exata noção da dimensão que isso alcançaria.
O número de famílias no EUA que tinham dois ou mais carros saltou de 1 milhão em 1959 para 13 milhões em 1963, além do que o percentual de motoristas mulheres aumentou em 53% de 1956 a 1963.
Um carro tipo esportivo de 2 portas projetado para a enorme onda de Baby Boomers não poderia ter tido um acerto melhor. De acordo com o próprio site da Ford: ‘’o carro perfeito no momento perfeito’’.
Lançado ao público geral em 17 de abril de 1964, vendeu 22 mil unidades no primeiro dia, atingindo mais de 420 mil unidades em seu primeiro ano de existência. Era mais que um carro, era um fenômeno. Tanto que pouco antes de completar seu segundo aniversário, em 2 de março de 1966, atingiu 1 milhão de unidades fabricadas (desse total sendo 557 mil modelos com transmissão automática, 310 mil com câmbio manual de 3 velocidades e 133 mil com câmbio manual de 4 velocidades).
Quem foi e é esse tão importante personagem responsável por tantos números? Sim, o Mustang, feito pela marca do Oval azul. Seu peso é tamanho que ostenta somente o logo do cavalo, e não o de sua fabricante.
Em 1965 vem à tona a criação de Carroll, o Shelby GT 350, com as clássicas faixas azuis na carroceria branca e um espetacular V8 Windsor de 4.7 litros e 306 cavalos.
Em 1968 entrou para o estrelato do cinema, com o filme Bullitt, dirigido por Peter Yates e eternizado por Steve McQueen (que tinha muita Alma Automotiva) no papel do Tenente Frank Bullit, no qual protagoniza pelas ruas de São Francisco uma das mais alucinantes cenas de perseguições dos longas metragens contra um Dodge Charger preto.
Em homenagem aos 40 anos desse filme, a Ford lançou em 2008 uma edição limitada com o nome Bullitt, na mesma cor do carro do filme, com um motor V8 de 4.6 litros e 315 cavalos e upgrades especiais de performance e design.
O ano é 1969 e a Ford acrescenta o motor Cobra Jet 428 de 7.0 litros, front splitter, pinças no capô preto e aletas no vidro traseiro, injetando maldade no visual e no coração do Mustang: nascia assim o Mach 1, nome alusivo à marca da velocidade do som (algo em torno de 1220 km/h).
Seu sucesso foi tamanho que fez descontinuar a sigla GT até 1982.
Chegam os anos 70 e ele é nocauteado pela crise do petróleo, que o obrigou a se adaptar, fazendo de si um repleto downsizing, que não caiu nada bem em sua segunda geração.
A terceira geração, conhecida como fox body trouxe de volta um motor forte, mas talvez pelas linhas do design de fato ele não atingiu tanto sucesso.
Retoma uma profunda mudança nos anos 90 e em seu aniversário de 30 anos traz a quarta geração com um novo fôlego para sua legião de fãs e proprietários.
Em 2005 ele faz um digníssimo retorno às origens com a quinta geração, ganhando novamente seu estrelato e se posicionando ainda mais como um símbolo cultural.
Se em sua terra natal, mesmo fazendo parte da rotina dos norte-americanos ainda assim seus expressivos números e fatos causam espanto, aqui no Brasil o contexto é outro: a sua sexta e atual geração (que já foi vendida aqui nas versões GT e Black Shadow) é um artigo de luxo, partindo na (única) versão Mach 1 por 544 mil reais e, muito mais incomum nas ruas daqui, chama atenção aos olhos e ouvidos de quem o vê passar.
Quando o Maurício me enviou uma mensagem em caixa alta ‘’VAMOS PEGAR O MACH 1!’’, a nossa empolgação foi enorme. A contagem regressiva e ansiedade começaram.
Amor à primeira vista com esse carro, não por menos, pois o time de designers fez aqui um trabalho com maestria, mantendo todas as principais linhas de caráter da primeira geração do Mustang, afinal modificar o design de algo tão importante requer sensibilidade e muita responsabilidade, pois trata-se de perdurar o legado de um automóvel que tem uma inestimável importância histórica.
Largura de 2,08 metros e comprimento de 4,79 metros seriam apenas medidas, não fossem a volumetria criada a partir delas em conjunto com o 1,40 metro de altura, resultando em um coupé que marca muita presença, aqui em sua sexta geração.
As linhas de cintura continuam após os para-lamas dianteiros, formando as partes superiores dos faróis, esses que internamente têm três aletas verticais de lanternas diurnas e o típico farol redondo, criando mais profundidade e agressividade ao visual.
Grade frontal com os coletores de ar redondos que remetem à primeira geração do Mach 1, assim como a faixa preta no capô e nas laterais, a tipografia da escrita do nome e o front splitter inferior na cor preta.
Se o hard top veio antes, foi a coluna C inclinada do fastback que se manteve até hoje, não somente por estilo, mas também por aerodinâmica. Lanternas traseiras côncavas, remetendo ao modelo de 1968.
Manteve a definição do termo ‘’Long Hood, short deck’’ que significa ‘’capô longo, deck curto’’ e que graças à evolução da ergonomia, tem o cockpit muito confortável, ainda que justo, vestindo perfeitamente o motorista. Isso certamente aumenta a sensação de interação com a máquina.
Se o design do exterior já acertou em cheio, o mesmo vale para o seu interior, que muito remete à primeira geração, a exemplo do volante em três raios, dos bancos, do cluster com as laterais redondas, do painel dividido em duas partes (com o emblema exclusivo do número do chassi), essas separadas pela parte central, agora com diversos botões e comandos, que mesmo trazendo muita comodidade ainda assim não tiram seu espírito esportivo, deixando o motorista realmente focado no que interessa.
O excelente acabamento merece os elogios tanto quanto seu pacote de segurança, equipado com 8 air bags, sistema de permanência em faixa e alerta de colisão e, na parte dinâmica com os controles eletrônicos de estabilidade (ESC) e de tração (TCS).
Sentado à frente do volante com o símbolo do cavalo, parecia até irreal estar diante de algo tão incrível.
Senti falta de girar uma chave para dar a partida, mas o botão start-stop é prático e em nada tira a sensação de arrepio que se sente quando você liga o Mach 1.
Quando eu dirigi o Subaru Impreza WRX SW do meu amigo Akira, eu entendi de fato o que era um carro visceral. Aqui eu soube disso novamente, com um coice a mais. Nem o dicionário define melhor em palavras do que essa sensação.
Começando na função normal, ainda assim tomei um susto: pisando sem tanta maldade no acelerador, ele reage te colando no banco e, para um carro norte-americano, arisco e não muito afeiçoado às curvas, ele é muito responsivo!
Foi uma das maiores e melhores interações que o Maurício e eu tivemos com um carro até hoje. Impressionante.
A estrada dos Romeiros contribuiu não só para as lindas fotos do Manolo, como também caíram muito bem para a cor Cinza Catalunha, umas das nove opções disponíveis.
Graças a sua suspensão adaptativa MagneRide, com calibração única para esta edição, na qual os amortecedores usam um fluido viscoso eletromagnético e sensores que ajustam instantaneamente o comportamento da suspensão, ele tem uma dinâmica muito mais responsiva, auxiliada pelas barras estabilizadoras mais rígidas.
O sistema eletrônico Line Lock faz o pré-aquecimento dos pneus traseiros que bloqueia os freios dianteiros, assegurando assim giros dos pneus traseiros e garantindo sorrisos em burn outs.
Um esportivo puro que, mesmo com tanta tecnologia embarcada para segurança interna e externa manteve toda a essência de um autêntico muscle car.
Chegando ao que muito nos interessa, toda essa alegria na aceleração seus números.
Abrir seu capô e ver seu longitudinal V8 soa nostálgico para muitos que aqui leem, mas para minha geração já é algo muito raro e infelizmente em extinção. Por isso a alegria é tremenda.
São nada modestos 483 cavalos de potência e ignorantes 56,7 Kgfm de torque assegurados pela barra anti-torção do motor, que é do Bullitt, também como o sistema open air box.
Do seu irmão GT 350 ele pega emprestado o corpo de borboleta, sistema de arrefecimento do motor e transmissão e do GT 500, as buchas de suspensão e o escapamento duplo com quatro ponteiras de 4,5 polegadas com ajuste de válvula ativo. Upgrade em família.
Tudo isso ao seu dispor em sete modos de condução com uma transmissão automática de 10 velocidades com paddle shifters (imagine se tivesse aqui uma versão com câmbio manual…).
Pois ainda que agressivo, você também pode usar seus 1814 Kg na cidade sem muito sufoco.
Se toda a força do motor Coyote 5.0 o leva de 0 a 100 km/h em 4,3 segundos, é necessário alguém forte o suficiente para freá-lo: é aí que entram em cena os freios de alta performance Brembo, escondidos atrás das lindas rodas cinza brilhante aro 19 de cinco raios duplos com pneus 255/40 na dianteira e 275/40 na traseira.
Décadas e décadas depois, tendo passado por altos e baixos, o Mustang é definitivo na cultura pop e enorme astro do mundo automotivo.
E se você pensa que essa versão Mach 1 era só adesivagem, se enganou: a Ford fez jus ao seu passado e homenageou à altura seu rebelde sessentista, carregando consigo todo um legado de performance.
Se esse esportivo puro tem um ponto negativo? Sim, ele não é meu.
Texto: Victor Dertassoli
Fotos: Maurício Garcia
Agradecimentos: Auto Mais, João Brigato, Maurício Garcia, Alessandra Gomes Skrivan, Cesar de Oliveira Duarte, Akira Watanabe, Gale Halderman, Lee Iacocca.