À medida em que o mercado consumidor muda, as marcas e produtos se adequam a isso.
E na premissa de atender à demanda de um carro mais versátil e espaçoso, nasceu o Volkswagen Brasília.
Na semana passada, em um mais do que merecido evento, realizado na Volkswagen do Brasil em São Bernardo do Campo – SP, foram celebrados os 50 anos de lançamento desse carismático automóvel.
E claro, não poderia faltar nesta festa uma especialíssima unidade na versão LS ano 1982, com apenas 460 quilômetros rodados, a qual saiu direto da linha de produção para o acervo VW.
Graças à Karina Craveiro, o Alma Automotiva teve o privilégio de prestigiar este grande momento.
À ocasião reuniram-se nomes ilustres da criação e preservação do legado deste modelo.
Alessandra e Tatiana Piancastelli, filhas do incrível e saudoso designer Márcio Piancastelli contam que não somente tem enorme orgulho do feito do pai, como também possuem muitas memórias com o carro, já que ele teve várias unidades do Brasília e inclusive relataram fatos curiosos, a exemplo de quando Márcio foi a um evento na escola dos netos para falar sobre sua carreira, no qual as pessoas ao redor se encantaram ao descobrir que estavam frente a frente com o criador de um ícone nacional das ruas; ou mesmo quando teve que, durante o projeto, driblar as espionagens de uma maneira bem irreverente.
No início dos anos 70, seguindo as diretrizes do então presidente da Volkswagen do Brasil, Rudolf Leiding, havia o projeto de criação de um carro totalmente nacional que transportasse cinco ocupantes com relativo conforto.
De acordo com Fábio de Cillo Pagotto ‘’…um grupo de estilistas tiveram a incumbência de lançar um carro pequeno por fora e grande por dentro, usando a plataforma Volkswagen; e isso foi um sucesso.’’
Diferente da volumetria arredondada do Fusca, a Brasília vinha com linhas retas e horizontais, traduzindo essa premissa de um automóvel para uso familiar, sendo versátil e espaçoso.
E nisso, começam os desafios de um designer em adequar os desenhos e propostas às normas e características técnicas do projeto.
Integrando o time de designers desse projeto, além do falecido Márcio Piancastelli, tivemos, os quais estavam presentes no evento: José Vicente Martins, o “Jota”, George Yamashita e Guenter Karl Rix, este último que iniciou na Volkswagen em 1965 e coordenou o projeto do Brasília, e nos disse que seguiu uma prescrição muito clara do presidente da empresa, o qual queria um carro com uma traseira fastback, que era tendência na Europa à época (a exemplo do Mini Cooper), um carro que fosse largo, com bom espaço interno e obviamente que tivesse uma forma bonita.
Com o layout (também chamado de package) da vista lateral do carro, começaram então a fazer os desenhos de como deveria ser essa carroceria. Inclusive, em uma dessas propostas, nota-se a coluna A bem avançada frente ao capô.
Com um posicionamento de mercado acima do fusca e mais espaçoso, medindo 4,01 metros de comprimento, 2,40 metros de entre-eixos,1,61 metro de largura e 1,43 metro de altura, o ‘’dois volumes’’ de 890 Kg foi classificado como utilitário, a fim de diminuir os impostos por seu enquadramento de carroceria.
Para seu nome, foi escolhido Brasília, fazendo uma homenagem à capital do país.
Em maio de 1973 a revista Quatro Rodas fez flagrante do modelo, que rendeu uma confusão durante uma perseguição. Sim, carros também são alvos de paparazzi.
E então, no dia 08 de junho de 1973 o Brasília foi lançado em um evento no Guarujá – SP, tendo vendido em seu ano de estréia mais de 34 mil unidades.
Seu motor traseiro 1.6 refrigerado a ar era do tipo boxer com 4 cilindros, com carburador único e rendia 60 cavalos de potência e 12 Kgfm de torque.
O câmbio era manual de 4 marchas, com freios a disco dianteiros e traseiros a tambor. A suspensão dianteira era feixo de torção com estabilizador e a traseira oscilante com barras de torção cilíndricas.
No Modelo 1974, as mudanças incluíam o novo volante tipo ‘’bumerangue’’, novas cores da carroceria e a dupla carburação como opcional. Mais de 82 mil unidades foram fabricadas neste ano.
Em 1975 ele passa por leves alterações visuais, como calotas centrais na cor preta e lentes de seta traseiras na cor vermelha, grade inferior do escapamento maior e bomba manual do lavador do para-brisa fixada na caixa de roda.
Em 1976 a dupla carburação torna-se de série, o que elevou a potência de 60 para 65 cavalos, melhorando bastante sua eficiência. Marrom escuro e vermelho vieram como novas opções de cores internas e a carburação simples foi encerrada.
E neste ano, começou a produção da versão quatro portas, que era inicialmente exclusiva para exportação a países como Filipinas e Nigéria, onde era chamado de Volkswagen Igala.
O ano de 1977 chega com várias melhorias, incluindo duplo circuito de freio em eixos separados, coluna de direção retrátil e espelho retrovisor destacável. Em seu interior, novos revestimentos monocromáticos, aplique no painel que imitava madeira e cores metálicas (prata, verde e cobre).
A primeira e única reestilização ocorre em 1978, na qual o capô dianteiro passou a ter dois vincos e novos para-choques com ponteiras plásticas.
E, no Salão do Automóvel deste mesmo ano, foi apresentada a versão quatro portas para o mercado interno.
Em 1979 lançam a versão LS, com acabamento mais luxuoso e passam a comercializar a versão 4 portas no Brasil.
A virada de década trouxe para a família o Gol que, lançado em 1980, mudou o foco da empresa, deixando o Brasília para escanteio, tendo uma queda de mais de 41% nas vendas em relação a 1979.
Ainda assim ganhou novo painel de instrumentos, novos bancos, lavador elétrico e temporizador.
Não bastasse, teve nesse ano a chegada da versão movida a álcool, num motor 1300 com dupla carburação, o mesmo do fusca, que lhe rendia 49 cavalos e um consumo elevado, o que não teve boa aceitação dos consumidores.
Seguiu em queda nas vendas em 1981, quando somente mudou o volante, adquiriu novas opções de cores e teve melhor isolamento acústico.
E em março de 1982, seu derradeiro ano, vendeu pouco mais de 2 mil exemplares e saiu de linha com mais de 1 milhão de unidades fabricadas, sendo que cerca de 12,5% dessas (mais 133 mil) foram exportadas.
Em seus 9 anos de trajetória, participou da Divisão 3, com versão de pista; versões Dacon, conversível e baja (por ex. Fox Ranger e Guaçu) feitas artesanalmente por empresas especializadas e teve até miniatura produzida pela famosa marca Hot Wheels.
Na televisão, era o carro do célebre personagem Sr. Barriga, da série mexicana Chaves, mas foi na cor amarela que se eternizou com o videoclipe do saudoso grupo musical Mamonas Assassinas, em uma extravagante versão.
Eu mesmo, que nasci depois do fim da produção do Brasília, lembro quando ia de carona para a escola em um modelo na cor azul marinho ou até mesmo ficava fascinado com a unidade na cor branca de um vizinho, que tinha dupla carburação e fazia um tremendo e divertido barulho. São memórias que o tempo não apaga e a lembrança permanece viva e alegre pela simplicidade com a qual os carros dessa época eram feitos e, não somente em custo-benefício, mas também por terem sido personagens de tantas e tantas histórias na memória afetiva de milhões de brasileiros e vários fora do país.
Um carro que nos orgulha em ser um projeto caseiro e que deixou um nostálgico legado para a história do automóvel no Brasil.
Texto: Victor Dertassoli
Agradecimentos: Karina Craveiro, Volkswagen do Brasil.